quinta-feira, 27 de dezembro de 2007

Algum lugar

Camaradas,

O que se entende hoje por utopia?

Nada mais que uma idéia cuja funcionalidade é questionável ou intangível. Não é surpreendente, por sinal, ver o termo “utopia” e seus derivados - “utópico”, “utópica” etc. - figurando sem qualquer pudor em textos que versam desde o futebol até a culinária.

“Jogar no 4-3-3 hoje seria utópico”!

“O ideal dessa receita é uma porção de seis pastéis, mas isso seria utópico”.

Não são exemplos reais, mas são plausíveis, hemos de concordar.

Um desdobramento também corrente dessa acepção do termo é o da Utopia como realidade concebida a priori e artificialmente transposta para o plano real. Esta idéia é a que mais nos interessa.

Não é novidade alguma para nosso arguto leitor o significado original do vocábulo “utopia”. Vamos mesmo assim passá-lo em revista mais uma vez.

Trata-se, até onde tenho registro, do “lugar nenhum”, do “não-lugar”.

Pois bem. Longe de julgar por meio de valores alheios a sua época a boa fé de nosso dileto Thomas More, não podemos nos furtar de observar que hoje não restou lugar nenhum para a Utopia. Pelo menos não sob o reino do capital, em que impera a desutopia a que se refere Zizek, entre outros: a constante afirmação negativista de uma suposta ordem natural indelével, insubstituível, que não mais que convenientemente vem a ser a ordem instituída pelo capital.

Mas vejamos mais de perto à luz do que se disse acima.

A ordem do capital é natural? Ou também utópica?! E que tal alguns exemplos de realidades concebidas a priori e postas em prática com eficácia pelos detentores do poder?

Comecemos por uma das mais óbvias, o nacionalismo. Dizem alguns que quando os camisas vermelhas de Garibaldi marchavam pelo então Reino das Duas Sicílias aos brados de “Itália!”, a população nativa estava certa de que o agora herói dos dois mundos amava tanto sua mulher Itália que exigia que seus homens lutassem entoando seu belo nome. Não mais que uma geração depois, os filhos de nossos tão mal informados camponeses já se preparavam para lutar e morrer em uma guerra mundial em nome da Senhora Itália.

É por acaso da natureza humana matar um semelhante por um país? Comer deliberadamente comida sem gosto, sem nutrientes e notoriamente nociva à saúde? Achar meio metro quadrado de tecido fino – no mau sentido – mais valioso que cem quilos de trigo bruto?

Sim, somos jovens e impertinentes, mas não sabemos menos da tão falada natureza humana que uma meia dúzia de burgueses abastados confinados em seus restritos e exclusivos círculos de convivência.

E o que quer dizer tudo isso?

Que tudo aquilo que hoje se convencionou chamar realidade não passa de uma série de idéias concebidas a priori para compor a ordem do capital. Utopias do capital, portanto.

O ponto crucial é o lastro material de uma utopia. Aqueles que detêm o poder material podem fazer de qualquer idéia uma realidade natural, por assim dizer. Ela já nasce antiga, eterna, mesmo que tenha sido criada na semana passada. É natural pagar para freqüentar uma faculdade ou entrar em um museu, receber um salário desproporcional por um trabalho árduo, ter casa e comida enquanto bilhões mal sabem o que é um telefone.

E o que faz com que as nossas utopias sejam inviáveis enquanto que as deles se materializam quase que instantaneamente?

Como diria o velho Marx, somente pela obtenção dos meios de produção, pela aquisição do indispensável lastro material, é que uma alternativa viável à ditadura do capital se fará viável.

Digo e continuo, em breve.